Entre diálogos

* Texto de João Gustavo

Ficaram por alguns instantes calados e imóveis, como que entregues a alguma espécie de estafa não apenas silenciosa, mas imperativa. Ele foi o primeiro a expressar reação – levantou-se e urinou no banheiro da suíte; ela permaneceu inerte, com o olhar voltado para o espelho afixado no teto do quarto, observando-se nua e com as pernas entreabertas. 

Encostado à porta do lavabo, fitou-a com uma expressão confusa, misto de volúpia satisfeita e vergonha inoportunamente tardia. Foi aí que os olhares se encontraram e ela, que esboçou um meio sorriso, pediu: 

- Deita aqui, ao meu lado. 

Obedecendo ao chamado, voltou para a cama e esperou que ela se aproximasse. A moça aconchegou-se em sua região peitoral, não sem alguma reticência no exercício desse movimento. 

- Você gostou? – ela perguntou, de forma quase sussurrada. 

Depois de ensaiar alguma palavra, passou a mão esquerda sobre o corpo dela. 

- Muito bom. 

Beijou levemente os lábios dele e tornou à posição anterior. 

- Você acha estranho esse tipo de pergunta? 

Coçou a barba que estava por crescer e murmurou: 

- Não. 

- Hum. 

Acariciou as costas da moça e viu-a fechar os olhos. 

- Muito bom. – ela proferiu, com olhos semicerrados. 

Encostaram os lábios em um estalinho; em seguida, ele se levantou e vestiu a cueca; apenas o observou. 

- Vocês são muito parecidos. 

- Quem? – ele perguntou, um tanto automaticamente, e verificou a hora no relógio de pulso posto sobre uma mesinha. 

- Você e o Fábio. 

O rapaz voltou a deitar-se ao lado dela. 

- Fisicamente somos bem diferentes. 

- Não me refiro à estética. 

Ficaram novamente emudecidos. 

- Você ainda está namorando? 

- Aham. – ele respondeu, sem desviar o olhar de onde o havia pousado, em um ponto entre a porta do quarto e um espelho. 

Aproximou-se do rapaz e tocou a perna dele, em uma região próxima à virilha. 

- Você já o havia traído? – indagou-a, sem fitá-la. 

Leve demora para a resposta. 

- Não. Essa é a primeira vez. – recolheu a mão que estava pousada sobre a coxa esquerda do rapaz – Na verdade, é a primeira vez que traio um namorado. 

Tornou a coçar a barba e a observar o corpo nu deitado ao seu lado. 

- Acho que devemos ir. 

- Você tem algum compromisso marcado? – questionou-o. 

- Não. Falo por você. 

- Por mim? 

- Não quero forçar nada. 

- Ninguém está me forçando a nada. 

Novamente a ausência de palavras. Ela se levantou, vestiu a calcinha, o sutiã e sentou-se perto dele. 

- É tão estranho... 

- O quê? – ele questionou, pondo-se em pé e vestindo a calça. 

- Sei lá. Acho que não estou muito bem. 

Pôs a camiseta. 

- Algo que eu possa fazer? 

- Essa situação é muito esquisita. 

- Talvez porque você nunca a tenha praticado antes. 

Colocou o vestido e buscou um pente em sua bolsa. 

- Você sempre trai sua namorada? 

- Namoramos há poucos meses. Não tenho certeza se é um relacionamento no qual eu possa apostar alto. 

Ele já a esperava, sentado na cama, completamente vestido, enquanto ela penteava os cabelos diante de um espelho. 

- Estou estranha, não estou? 

- Talvez esteja tensa. Relaxa. Ninguém vai descobrir nada. Fica entre nós dois. 

- O problema não é exatamente é esse. É mais indefinível. 

- Como assim? 

- Uma sensação inconclusa. Indefinição não é exatamente a palavra... mas, digamos, sensação de ausência. Você me entende? 

- Essa sensação está relacionada a mim? 

- Não. Nada com você. É comigo. 

- Decorrência da sua primeira traição. Tenho quase certeza. Talvez seja culpa. 

- Eis a gravidade da coisa: não é culpa. 

- Se não é o medo de ser descoberta ou o remorso de ter feito sexo com outro, as possibilidades ficam escassas. Geralmente são esses os sentimentos que as traições suscitam. 

- Algo tão limitado assim: ou sofre-se por um ou pelo outro? 

- Ou por ambos. 

- A sensação não está relacionada a nenhum deles. 

Guardou o pente em sua bolsa, colocou os brincos nas orelhas e começou a calçar seus sapatos. 

- Paixão? – indagou ele. 

- Como? 

- Paixão nova. 

- Também não é isso. – e deu um beijo rápido nos lábios dele. 

Ficou olhando um tempo para o chão, até que o questionou: 

- Nas vezes anteriores, você apenas sentia o medo de ser descoberto ou a culpa por ter feito sexo com outra menina? 

- Acho que sim, não tenho certeza. Mas não há uma regra, as variáveis são muitas. 

- Por exemplo. 

- O grau de envolvimento que você tem com a pessoa, tanto com a traída quanto com aquela que serve de meio para a traição. 

- Alguma vez você sentiu uma culpa tão grande que foi capaz de contar à traída o que havia feito e pedir perdão? 

- Não. 

Ela o fitou por algum tempo e proferiu: 

- A culpa é uma grande invenção, nós a criamos. Inexiste de forma involuntária. Pelo menos em situações como essa. 

Ele apanhou as chaves do carro e pôs-se em pé, em direção à porta da suíte. A moça continuou: 

- Com a certeza de que a traição será mantida em segredo, pelo menos a fantasia da culpa funciona como sentimento que fundamenta alguma espécie de respeito pela pessoa traída. 

- Acredito que a lógica seja essa. – disse ele, abrindo a porta. 

Ela se aproximou e ambos deram um longo beijo. 

- E quando não sentimos... nada? 

Ele acionou um botão no chaveiro que desativou o sistema de alarme do veículo e lhe destrancou as portas. 

- Significa que não temos problema algum. 

Abriram as portas do automóvel e nele entraram. Apenas ao saírem do motel é que ela observou que o céu de Maringá, naquela noite, estava vigorosamente escuro.

2 comentários:

Maíra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Wilame Prado disse...

Lindo conto cara! Fico sempre curioso quando alguém trabalha literatura e as eventuais culpas que a nossa consciência insiste, ou não, em nos jogar na alma. Aliás, "Crimes e castigo" é um dos meus livros preferidos.
Um abraço.