Mar Adentro

                                                                                                                                  *Ariana Zahdi

Vento
Tua boca em minha orelha
Brisa que me levanta os pelos
Dos braços
Das pernas
Sopro

Arrepio de pés pisando o mar
Tuas mãos na minha pele
Minha pele no teu corpo

Marolas de calor
Águas vivas
Tua boca
Na minha boca

Ondas leves na areia
Nos aprofundamos no mar

Ele nos carrega
Arrasta
Enrosca
E como quase náufragos
Nos agarramos um ao outro
Para não tombar

Pés
Pernas
Braços
Língua
Boca
Boca
A minha na tua crista ilíaca
Teus dentes nas minhas coxas

E o vento quente
E a água morna
E somos barco

Você, mastro
Eu, vela
Você me ergue
Eu te navego

E o balanço do mar
E o chacoalhar das ondas
E o céu escurece
E o vento aumenta
E o barco balança
Balança
Balança

Já não respiramos mais
Coração de ondas batendo no casco
E a tempestade que chega

Peito
Mãos
Suor
Saliva

Minha onda quebra
E sou espuma
E você é ressaca
Que me inunda e recolhe

Fluxo de pensamentos errantes no ônibus

*Diego Teodoro

A circular não espera ninguém
Foto de César Miguel
Não que eu me sentisse orgulhoso de estar tão mal vestido, eu apenas não me importava. Quantos maltrapilhos não entram em ônibus todos os dias? Eu só era mais um.
Subo os degraus.
Agarro-me às ferragens. 
Retiro o vale transporte. 
Passo a roleta e, só então, depois de todos os imperiosos impulsos automáticos, é que olho ao redor; miríades de pessoas em pé, lutando por seus diminutos territórios, fleumáticas. 
Gordas, brancas, negras, pardas; negros, gordos, pardos, brancos. 
E pensam: “Mas que merda de motorista é este, tá carregando boi?”. E penso eu: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”, cogitando um suposto acidente fatal. O motorista quase sempre acelera ainda mais, como se ouvisse todos aqueles pensamentos. Sempre há o que não se segura e provoca, ou por estar acompanhado, ou por estar sepulcralmente mal-humorado: “Tá carregando boi, porra?”, e todos o olham e depois o esquecem até que finalmente o motorista irredutível, reduz. Quer dizer, no final das contas só conseguimos nos odiar ainda mais. E isto só por pegarmos o ônibus todos os dias juntos, sem nem sequer olharmos um para a cara do outro. Nós somos odiosos, amigos! 
 Para onde vamos? Paris, laranjeiras, Alvorada? Centro? – Alto lá marujo! 
Eu me sinto bem, mesmo em pé, com os nervos do braço pulando para fora e gritando por socorro junto ao sangue que se empedra em meus dedos. 
Nós, trabalhadores, somos felizes, grandiosamente felizes com nossos empregos, apenas não gostamos um do outro. 

O único sentimento do qual nutrimos além do ódio é a dó. A piedade mútua. Uma coisa intrigante que acontece nos ônibus é que se você é trabalhador, você não senta. As pessoas que conseguem acentos nos ônibus são aquelas que vão passear no Maringá Park ou alimentar os pássaros na praça. Trabalhadores de verdade, aqueles sujos e sebentos, não sentam. As velhas precoces de quarenta anos não sentam. Quem senta são aqueles que em muitas vezes tem carros na garagem e um estoque de arenque vermelho no freezer. 
O pão com ovo; o leite com açúcar; o cesta básica, não senta. 
A bolacha de cesta sofre até o fim. Sofre na rua. Sofre no mercado. Sofre no trabalho, e volta para a casa sofrendo, cheio de sacolas da porra do Mercadorama. O comum é ludibriar o embriagado, o sem cultura. O importante é fazer parte de uma casta de coexistentes falidos. O comum é estar por cima em todas as situações. 
Eu estava em pé, segurando as ferragens. A garganta seca, implorando mais que um cristão por um gole de qualquer coisa. Eu estava com roupas sujas. Sapatos surrados. Desodorante desgraçadamente fétido! Minhas pernas imploravam-me, não como a garganta que gritava por clemência, imploravam por descanso, por um colchão e cobertores limpos. 
E eu pensava: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”. 
E as pessoas exclamavam: “Mas que cheiro horrível!” 
E as pessoas pensavam: “mas que cabelo asqueroso!” e eu pensava: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”. 
Estávamos indo ao mesmo lugar, o diferencial era que faríamos coisas diferentes, trabalharíamos com coisas diferentes, que no final, dariam na mesma. O mesmo objetivo. O mesmo paupérrimo salário. 
Deveras... Deveras... 
E o motorista acelerava novamente e as pessoas pensavam: “Será que eu quero mesmo que ele não nos mate?” E as pessoas pensavam: “Espero que nos mate depois de termos passado o cartão”. E eu pensava: “Que bunda maravilhosa, minha querida!” E o motorista acelerava e fazia curvas arriscadas. 
Uhhhh!!! Apertem os cintos! Vocês estão bem? - Eu quase sempre abria um sozinho com esses meus pensamentos e algumas pessoas me olhavam desdenhosas como se elas fossem perfeitamente normais. 
Eu me perguntava: “Será que haverá vagas para todos no HU?”. 
As pessoas inquiriam: "Que dia é hoje? Ah, é sexta-feira. Será que tenho que cozinhar feijão?". 
E eu me entorpecia felicíssimo ao pensar: "Yeah, sexta-feira! Pegue a direita, rodopie a catedral, siga reto até o limiar da rotatória, pegue uma cerveja no Guadala e suba a Cerro Azul até o CBGB's Maringaense, Tribão, e gaste seu salário". 
No final todos nós bateremos o cartão. 
Minhas roupas perderão um pouco da importância. 
Você me esquecerá por toda tarde até me ver novamente ao cair da noite, grudado nas ferragens, com o mesmo olhar impassível. 
Eu estava orgulhoso de me sentir indiferente. As pessoas pensavam: “Faltam duas ou três prestações para quitar minha geladeira?” E as pessoas imprecavam: “aquela droga de TV só vive chiando”. E eu pensava: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”, e o motorista acelerava. Até que todos sobreviviam, trabalhavam e, em pé, segurando nas ferragens, se amontoando, chegavam a suas casas para suas novelas enquanto eu, ainda indeciso, me questionava qual dos bares da vizinhança beberia meu primeiro trago.