*Texto de Alexandre Gaioto
Se eu tivesse um revólver
Mataria essa voz
Tem uma voz na minha cabeça
Uma voz que me dá ordens
Essa voz não me deixa dormir
Ela ecoa de um lado
Ecoa de outro
E nunca sai lá de dentro
Feito um sonâmbulo
Insone
Rondando
Se eu tivesse uma faca
Eu cortaria meu peito adentro
Depois esfaquearia meu olho
-talvez o direito primeiro
Enquanto o sangue jorra descontrolado córnea afora
Eu não esqueceria o pulso
-só para garantir
Se me restassem forças ainda deceparia meu pau
Mas isso eu não prometo
Se eu tivesse uma chave
-de moto, de carro, de apartamento, de treminhão
Eu a engoliria
E tentaria engasgar
Quantas vezes fosse necessário
Um controle remoto talvez fosse mais eficiente
Mas a voz não quer chave nem controle
Ela quer algo preciso
Eu preciso encontrar algo para a voz
Ela me manda balançar o braço desse jeito
Se eu falo gritando, assim, ó, a culpa é dela
E ela diminui o tom, olha só, da minha voz quando bem quer
E começa a gritar novamente
Que não há nada nem alguém mais triste do que “O Cão” do Goya
-exceto eu
Que nada no mundo soa tão triste quanto os acordes de "Spiegel im Spiegel" do Arvo Part
-exceto eu
Ela não gosta de vocês de branco
Nem do Gordão
Gordão
Aquele cara que agora dorme do meu lado, né?
Dormia?
Que pena
Gostei dele desde o início
-eu
Ela não
Eles não se identificaram
O gordão e a voz
Gordo filha da puta, ela me disse
E ficou zunindo
Zunindo
Zunindo
Até que eu tive de falar por ela
Gordo filho da puta
Gordo filho da puta
Gordo filho da puta
Depois ela mandou eu pular nele
Pular e bater com os punhos fechados
Não vá quebrar seus dedos, Treze
Pule e puxe a barba, Treze
Corte um pouco para mim, Treze
A ideia de furar o olho do gordo com os óculos dele?
Dela
De quem mais seria?
Duvido que ela pedirá desculpas
Não
Ela nunca me chama pelo nome
Nunca quis tomar um chope comigo
Nunca quis ficar de porre comigo
Eu não passo de um número
Treze
Treze
É assim
Treze aquilo
Treze aquilo
Pegue os óculos do Gordo, Treze
Pegue os óculos e mete no olho dele, Treze
Agora
Sabe o que ela diz?
Que vocês são idiotas
Que a roupa de vocês é idiota
Que vocês estão querendo mesmo é ver meu pau, grande, babando, decepado na guilhotina
Ninguém mais aguenta o branco deles, Treze, fala para eles, Treze
-nessa sala, nessas roupas, no corredor, no banheiro
Se eu pudesse deixar a voz
Você não acha que eu já teria saído daqui?
E deixado ela vagando no meu lugar?
Tudo o que eu quero é que ela cale a boca
Quero parar de tomar esses remédios
E parar de usar essa blusa escrota
Que prende minhas mãos
E só livra minhas pernas e cabeça
Aliás, a voz está mandando eu levantar dessa cadeira
Ficar de pé
E saltar no chão de ponta
E que se me mandarem para aquele quarto sozinho
-novamente nessa semana
Ela entra em todos vocês
E faz ainda pior
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