* Texto de Pedro Bonfim
Encontro marcado. Terça-feira, às 17:00, no gramado de fora do estádio Willie Davids na cidade de Maringá. Eu, Paulo Pemibo; o Magrelo, amigo de infância; a Xú, menina maneira e a Deinha, que todos queriam pegar.
Aquele gramado é uma lenda para quem conhece Maringá. É palco para pais e crianças se divertirem escorregando em papelões – que normalmente são ali jogados por cidadãos da cidade – sobre o gramado, também palco de reuniões de pessoas alternativas para observar o pôr-do-sol - mesmo que, em breves conversas, as pessoas não observem o sol perder a luminosidade – dos vovôs jogarem malha – jogo de pouco rendimento em que o objetivo é derrubar um pino em uma determinada distância arremessando um disco – e das bebedeiras insanas em meio à fumaça dos cigarros, da poluição e do baseado.
O dia típico de ir ao gramado é a quarta-feira, porque acontece a feira do produtor. É o dia de maior fluxo de pessoas neste local, então terça-feira seria o dia ideal para as bebedeiras com os amigos, amigas e as meninas que queríamos pegar. Na terça-feira ninguém iria encher nosso saco, é o dia em que os coroas trabalham, os velhinhos não jogam e a feira não abre.
Eu e o Magrelo tínhamos acabado de completar 18 anos, a melhor fase que um adolescente pode viver. Nós, que gostávamos de encher a cara e curtir com os amigos, poderíamos agora ser os laranjas para a compra de bebidas alcoólicas. Desde os 15 anos já fazíamos isso sem problema, mas nesse dia a nossa plena adolescência “maioral” nos ajudou.
A Xú e a Deinha eram meninas gente-boa, bonitas e curtiam as mesmas coisas que nós - vale mencionar que um grande amigo meu e do Magrelo já pegou as duas, o Alemão, hoje em dia fabricante de cerveja. Elas eram menores de idade, 16 anos, mas bebiam igual gente grande, difícil vê-las caírem após o porre diário, por isso eram “das nossas”. Naquele dia a idade delas quase derrubou a gente!
A chegada no encontro se deu como sempre, eu com o Velho Barreiro – cachaça muito consumida em Maringá; o Magrelo com o cigarro; a Xú e a Deinha com o refrigerante. Pra quem não conhece, essa mistura de velho barreiro e refrigerante, tem o apelido carinhoso de tubão, para os entendedores, e de Cuba, Hi-fi, para os burgueses. O cigarro era o ar da graça para Magrelo, ele gostava de fumar, eu naquela época não.
Sentamos no gramado na parte superior, que era o melhor lugar, dali dava para ver prédios e mais prédios, o sol quando batia às seis da tarde, os carros lá em baixo e eu já mencionei os prédios? Em volta, víamos poucos grupos de pessoas descoladas, um grupo com um rapaz que tocava violão enquanto os outros bebiam, um casal na nossa frente – o homem dedilhando algo que no momento não dava para ver e a mulher tirando algo parecido com uma seda quadrada da carteira – e uma turma conversando, com gestos bem claros, conversa das boas!
Chegou nossa vez. Separamos os copos, um para cada, enquanto o Magrelo acendia seu cigarro, eu servi vagarosamente as meninas – sempre com um dedinho a mais de refrigerante, para ouvir aquela frase, “esse não ta forte!”, depois servi o Magrelo, deixando o meu copo por último. Apesar de dar a impressão de que éramos beberrões, tínhamos outras qualidades, mas que no momento não me recordo!
Já tinha se passado algum tempo e a conversa ainda a mesma, colégio, universidade, notas, professores, amigos – até que o teor alcoólico sobressaiu em nossas cabeças e as conversas tornaram-se mais prazerosas – sexo, mulheres – já mencionei que Xú e Deinha curtiam meninas também? - o que cada um já experimentara de drogas, que tudo na vida se foda! Esquecemos até de olhar entre os prédios e ver o sol se pondo.
Tudo bem! Naquele ponto de Maringá é comum as pessoas perderem o pôr do sol. Entre as conversas, cada vez mais me interessava pela Deinha e pensava “Alemão sortudo da porra!”. Deinha não era daquelas meninas de vitrine, que parecem bonecas, mas o conjunto dela interessava a todos. Branquinha, cabelo bem preto, estilo alternativo, com uma conversa interessantíssima, ou seja, para nós, A Mulher. Enquanto conversávamos fixava meus olhos nela, ouvia ela falar das meninas que ela já tinha pegado – fiquei impressionado - de tudo que já tinha experimentado – não cabe no momento entrar nesse assunto – e cada vez mais procurava um jeito de chegar nela. Em meio à bebida, aos cigarros do Magrelo e ao papo, a Xú viu uma tia caminhando pela calçada do estádio – que serve também como pista de atividade física – e para espanto meu e do Magrelo, saiu com a Deinha para ir até lá falar com ela.
Ficamos eu e o Magrelo no assunto. O comentário daquele momento era quem chegava em quem – nós sempre fomos devagar quando o assunto era mulher, tínhamos medo de levar um fora, diferente do Alemão – claro que eu queria a Deinha, mas o assunto foi cortado quando vimos o casal que agia com certa cautela quando chegamos acender um baseado e, quase ao mesmo tempo, acender o instinto do Magrelo.
Naquele momento até o cigarro que até então fumava com tanto prazer, parecia sem gosto para ele. Não vou ser hipócrita e dizer que Magrelo era um maconheiro, mas para ele uns tapas, de leve, ligavam o sentido de felicidade e o momento de suavidade atingia o auge após o sopro da fumaça. Eu, como sempre, era careta, preferia o álcool mesmo, mas não impedia meus amigos de fazer o que queriam, afinal, liberdade para Magrelo perguntava-se se iria até o casal perguntar se podia dar uma “bola” – uma tragada da cannabis – até que passados 5 minutos, após eu apoiar, após a mulher que estava ao lado do rapaz sair de perto – parecia ter ido ao bar mais próximo comprar mais bebida – e o “beck” parecendo estar só a ponta, ele foi até o rapaz, que estava na nossa frente um pouco pra baixo, e perguntou. Quase que imediatamente o vi dar meia volta com as sobrancelhas levantadas, assim como os ombros, uma mão fechada sobre a boca e o queixo caído, típica expressão de quem levou um “não” inesperado. Por um breve momento dei risada, até ele me explicar o que o rapaz tinha dito, “Cara! Ta só a ponta e tenho que deixar um pouco pra minha mina!”. Tudo bem, Magrelo pensou.
Não seria tudo bem, não. Passado algum tempo em que voltamos à prosa de sempre e nos queixamos das meninas que estavam demorando a voltar para a nossa companhia, vimos um policial chegar numa moto, quase silencioso, como uma sombra passando ao redor de nossos corpos quando a gente caminha sob o sol. Olhamos direito e vimos que não era apenas um parado na nossa frente, eram nove policiais em suas motos sobre o gramado íngrime do estádio e uma viatura no estacionamento lá embaixo! Ficamos assustados com aquilo, pois mesmo considerados maiores, não conseguíamos agir de maneira adulta, pois tínhamos medo de policiais e estávamos com o tubão no chão e o Magrelo com o cigarro na boca.
O policial educado falou para ficarmos onde nos encontrávamos e aguardar um tempo. Os outros policiais, sem pestanejar, foram diretamente para o casal que, sem medo algum, fumava o baseado. O policial prendeu em flagrante o casal, algemou os dois, e foi levando para a viatura. O estádio fica bem no centro de Maringá. Depois é que se percebe: em pleno final de tarde, em que ocorre um fluxo de trânsito infernal, e os dois fumando “unzinho” sem receios! No momento em que estávamos esperando a prisão em flagrante do casal, a Xú e a Deinha aproximaram-se perguntando se estava tudo bem. Pensei, e ao mesmo tempo o Magrelo, que esse não era o momento delas se aproximarem. O policial na moto também devia estar pensando porque perguntou para elas, “vocês são menores de idade?”. Elas afirmaram.
Primeiro erro e já pensávamos “estamos fodidos”. Em sequência o policial continuou o questionamento, “vocês beberam essa bebida que eles estão tomando?”. Elas negaram.
Segundo erro, se o policial fosse a fundo na história, eu e o Magrelo podíamos ser presos por servir bebidas a menores de idade, mesmo que não tivéssemos considerado isso no momento. O policial mais uma vez, “se eu cheirar a boca de vocês, não sentirei cheiro de álcool?”. Elas alegaram que não tinham bebido. Uma mentira que poderia salvar eu e o Magrelo, ou ferrar-nos. O policial repetiu a pergunta, mas quase ao mesmo tempo, ouvimos a tia de Xú gritar por seu nome e elas, como se abrissem a porteira de uma boiada, saíram correndo para a tia. Correr de um policial é barra, mas quando se trata de uma menor, tem suas vantagens.
O policial voltou para nós e perguntou, “vocês deram bebida para elas?”. Já que ele não tinha provas, negamos, dissemos que a bebida era para nós. “Velho barreiro, né! Essa bebida é forte!”. Parecia que aquele momento já começava a ter uma descontração no ar e Magrelo brincou, “que nada, quando mistura com refrigerante nem sente o gosto!”. O policial viu na mão de Magrelo um cigarro escuro e perguntou “o que é isso?”. “Bali-hai!” Magrelo respondeu rapidamente. “Huum, cigarrinho indiano!” disse o PM. Naquele meu momento de quietude comecei a relaxar a cabeça, observando aquela conversa entre os dois. O policial comentou “recebemos uma denúncia de que havia pessoas fumando maconha pela região! Vocês não fumaram também, né?”. O ponto forte. Mesmo sendo rejeitado pelo rapaz, agora Magrelo sentia um alívio e respondeu, talvez uma das nossas respostas mais sinceras, “que nada! Nós estávamos só bebendo isso que você está vendo e chegamos há pouco para falar a verdade!”.
O oficial pediu nossas identidades e, com certo respeito e alegria, por naquele momento sermos maiores de idade, entregamos seguramente. O policial encerrou a conversa, “precisamos da identidade de vocês para realizarmos a confirmação de rotina. Vocês estão em um local público, em que criança vem com os pais brincar e não é legal para eles verem vocês tão jovens se embebedando em plena tarde. É melhor vocês pegarem suas coisas e ir beber em outro local, mais discreto”. Concordamos com a cabeça e devagar fomos descendo o gramado, observando o casal ser levado pela viatura, os policiais em suas motos irem embora e as meninas lá embaixo esperando eu e o Magrelo para contarmos tudo que aconteceu lá em cima no gramado do estádio.
Na descida, o Magrelo fez ainda uma pergunta intrigante: “Iae, onde vamos terminar esse tubão agora?”.
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