Ouvia o som vindo lá de fora. Alto-falantes acoplados em um automóvel emanavam um som esbravejante. O intuito era anunciar que o sabão em pó lavador de roupas está custando apenas R$4,90. E o quanto aquele som me incomodava! Irritante era a voz do locutor. Irritação. Será mesmo que alguém, ao ouvir aquele som irritante, resolve escolher aquele supermercado para comprar um sabão em pó?
Por isso ainda prefiro os folhetos promocionais. Eles não falam, apenas sujam a cidade. Mas servem também para embrulhar porcelanas ou forrar gaiolas com periquitos cagadores. Assim como os jornais, que desempenham excelente função no embrulho de peças de polimento na oficina do pai de um amigo meu, que, curiosamente, é jornalista.
Esse meu amigo me conta histórias engraçadas sobre o jornal que embrulha as peças tão bem. Ele me disse que não é raro o pai dele já ir logo embrulhando as peças polidas com a edição do dia, sem nem sequer ler uma notícia.
O meu amigo jornalista leva na esportiva o fato de que nem mesmo o seu pai acompanha o seu trabalho diário com o jornalismo. Faz chacota quando, por coincidência, encontra uma bela peça polida perfeitamente forrada com uma página contendo uma reportagem que demorou uma tarde inteira para ser produzida.
Fazia calor naquela tarde de janeiro em uma cidade pequena, insuportável e arrogante. Jornais espalhados pelo chão da sala ficavam se mexendo com a força do vento de um ventilador trazido do Paraguai. Foi quando, sentado em um desconfortável e pinicador sofá laranja, eu me lembrei da história contada pelo meu amigo jornalista sobre as peças forradas com as suas reportagens sanguinolentas. Foi quando, por um impulso causado pela raiva e pela irritação, peguei um revólver e atirei nas caixas de som daquele carro de propagandas e calei a voz do locutor que anunciava o preço da caixa de sabão em pó.
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