lucy&jude sem Ringo Starr no velho hotel

* Texto de André Fabrício

And when the broken hearted people 
Living in the world agree, 
There will be an answer, let it be. 

Beatles 


Peguei uns livros na prateleira do quarto. Livro de poemas. Livro de poemas românticos. Porque hoje, meus amigos, num século onde fidelidade é raridade falar de amor é hype. Gosto desse assunto: amor. Por mais clichê que seja. Gosto. Gosto de amor. Gosto de falar sobre. Apesar de que, falar que falar de amor é clichê que é um belo de um clichê. Amor é bonito. Piegas. Mas bonito. Corri até a cozinha, abri a geladeira procurando alguma coisa para levar a Lucy, logo peguei duas maçãs. Uma vermelha. A outra estava um bocado verde, perfeita combinação de cores. Coloquei dentro da mochila. Fitei os olhos na mesa e no balcão procurando uma possibilidade de agrado a Lucy. Peguei a broa de fubá. O que me fez lembrar do café. O café que eu já ia me esquecendo. Pronto: poemas, maçãs, broa de fubá, café. Tudo certo. Não poderia me atrever a ficar pensando quais coisas estava esquecendo – e certamente algo ficaria pra trás, minha memória não é de elefante. Mp4. Não falei? Estava me esquecendo. Fiz uma seleção de músicas para se ouvir de casalzinho, eu e Lucy. Amanhã de manhã vou pedir um café para nós dois. Sim, lotei o aparelho de Roberto Carlos. Gal e Bethânia. Olhei para o relógio. Fudeu! Foi a primeira palavra que me veio à mente. Já tinha passado cinco minutos do horário combinado. Lucy já devia estar me esperando. Com um vestido florido. All star sujo. Uma fita no cabelo. E as pernas semi-abertas. Dizendo: vem, mas vem com calma. Imaginei a cena e fui. Porque se eu ficasse, certamente iria parar no banheiro. Trêmulo tateava os bolsos da calça procurando a chave. Onde enfiei a chave? A chave. Tá aqui. Tranquei a porta, pelo menos acho que tranquei, uma euforia que cega. Um frio na espinha. Só pensava nela. Na boca dela na minha boca. Beiços carnudos. Ela dá um beijo ousado com a dose certa de recato. Ah! As santas putas. Corri. Corri pro velho hotel Bandeirantes. Aquele velho hotel ao lado da prefeitura. Lá é o nosso ninho de amor, o jardim dos nossos sonhos. Nosso ninho de nós. Lá a gente se despe das máscaras e se atreve, mesmo que só por determinado momento a sermos. Sermos o que a gente tem vontade. Sermos o que o mundo não nos deixa ser. Sermos! Saí de casa. Correndo subi a avenida. Tentei evitar o barulho, já era quase 00 hora. Seria imperdoável permitir que roubassem as minhas maçãs. Não, as maçãs não. Andei rápido, mas pianinho. Atravessei aflito o gramado da igreja. Faltavam poucos minutos para encontrá-la. Ela estava a minha espera. Com seu vestido tênis fita no cabelo pernas semi-abertas ela estava a minha espera. Minha. De mais ninguém. Rompi a faixa de pedestre sem olhar para os lados. Filho de uma puta, acorda - gritou um motorista revoltado com a minha desatenção. Achei engraçado. Mande um beijo pra sua mãe também, respondi. Ela estava me esperando. Lucy num céu com diamantes. Apertei o passo, e no mesmo apertar meu coração pulsou forte, senti as minhas mãos molharem tamanha a emoção de poder sentir o cheiro de Seda no cabelo dela. O cheiro de sabonete aloe vera no cangote. Segurar a cintura de Lucy. Ela gosta. Ela gosta que eu segure com força. Gosta de ser dominada, uma gatinha manhosa. Gatinha ousada, grrr. Já podia ver o brilho dos olhos dela. Como brilhavam fortes aquelas duas jabuticabas. Estava sentada fumando um cigarro. Quando me viu, tratou logo de apagá-lo, levantou-se e correu ao meu encontro. Jude! – exclamou me abraçando. Você está atrasado littleboy – completou. Te trouxe maçãs, foi a única conexão que o meu cérebro conseguiu fazer com as cordas vocais. Ela riu. Iluminou tudo. Iluminou a varanda do velho hotel. Iluminar e só, esse é o meu lema, e o do sol. Citei um trecho de Maiakovski, achei que ela fosse gostar. E gostou. Cruzou os dedos miudinhos com os meus e me puxou para a varanda do velho hotel, encostamo-nos na parede. Dei um beijinho no olho dela. Um no pescoço. Outro no canto da boca. Ela fez o mesmo. É a nossa cena preferida do cinema. É o primeiro encontro da Amélie e do Nino. A gente insiste que todos os nossos encontros serão os primeiros. Sempre são. Depois nos beijamos, nos beijamos como se fosse o último encontro. Sempre é. Até o próximo. As tuas maçãs – disse sacando as maçãs da mochila. Deixa isso pra depois – me respondeu num tom de eu quero fazer outra coisa agora, meu amor. Me deu um beijo na boca. Um beijo lento. Quente... intenso. O tempo havia parado. Tudo estava congelado. O mundo era nosso, meu e dela. Dela e meu. A abracei exercendo minha função de machinho. Protegendo-a com um braço peguei a garrafa de café com a outra mão, nós pequenos burgueses e metidos a intelectuais gostamos de café. Gostamos de café & cigarros. Coloquei dois dedos da bebida num copo descartável, compartilhamos. Enquanto ela tateava a minha calça, eu a acariciava os cabelos. Lentamente passava a mão nas minhas pernas. Mãozinhas tão ingênuas. As mãos subiam e desciam por minhas pernas. Gosta disso Peter Pan? – perguntava com certa indecência no olhar. – Mas óóó, sua tara sexual é uma criança, brinquei. Garoto atrevido, eu sou a Sininho, e a Sininho e o Peter ficam juntos. Na minha história ficam. Peter e Sininho – bravinha retrucou. Quando ela cora eu acredito em Deus. Acredito em mim. E eu grito para o nada, mocinha, não há nada que eu precise mais do que você. Do teu jeito de lambuzar os dedos. Por favor, você é a mostarda da minha salada. Treparíamos se a gente gostasse de trepar. Mas a gente fez amor. A gente fez amor na varanda do velho hotel Bandeirantes. Unhava-me as costas e dizia baixo no ouvido: - eu te amo littleboy. As mãos percorriam as minhas costas, o meu peito. Percorriam como se dissessem estou em casa quando estou com você, e estava. Era o meu corpo dentro do dela. A junção de duas peças de um quebra-cabeça. Nos amamos. Nos amamos a noite inteira embriagados do melhor que a vida nos proporcionara, maçãs. Nos amamos. O guarda que nos olhara a noite toda num tom de ameaça, agora reforçara a mesma, era preciso tomar uma atitude antes que ele chamasse a polícia e nos jogasse em um fétido camburão, o fiz: - Lucy, casa comigo e foge daqui? – convidei. Mas fugir pra onde? – assustada e com os olhos cheios de lágrimas. - Não importa onde, eu quero o mundo e com você, respondi. Quando? – Agora. 

Um comentário:

Rafael A. F. Zanatta disse...

A ausência de parágrafos me proporcionou uma leitura frenética, descompassada, embreagada.

Era essa a intenção?