*Diego Teodoro
Foto de César Miguel |
Subo os degraus.
Agarro-me às ferragens.
Retiro o vale transporte.
Passo a roleta e, só então, depois de todos os imperiosos impulsos automáticos, é que olho ao redor; miríades de pessoas em pé, lutando por seus diminutos territórios, fleumáticas.
Gordas, brancas, negras, pardas; negros, gordos, pardos, brancos.
E pensam: “Mas que merda de motorista é este, tá carregando boi?”. E penso eu: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”, cogitando um suposto acidente fatal. O motorista quase sempre acelera ainda mais, como se ouvisse todos aqueles pensamentos. Sempre há o que não se segura e provoca, ou por estar acompanhado, ou por estar sepulcralmente mal-humorado: “Tá carregando boi, porra?”, e todos o olham e depois o esquecem até que finalmente o motorista irredutível, reduz. Quer dizer, no final das contas só conseguimos nos odiar ainda mais. E isto só por pegarmos o ônibus todos os dias juntos, sem nem sequer olharmos um para a cara do outro. Nós somos odiosos, amigos!
Para onde vamos? Paris, laranjeiras, Alvorada? Centro? – Alto lá marujo!
Eu me sinto bem, mesmo em pé, com os nervos do braço pulando para fora e gritando por socorro junto ao sangue que se empedra em meus dedos.
Nós, trabalhadores, somos felizes, grandiosamente felizes com nossos empregos, apenas não gostamos um do outro.
O único sentimento do qual nutrimos além do ódio é a dó. A piedade mútua. Uma coisa intrigante que acontece nos ônibus é que se você é trabalhador, você não senta. As pessoas que conseguem acentos nos ônibus são aquelas que vão passear no Maringá Park ou alimentar os pássaros na praça. Trabalhadores de verdade, aqueles sujos e sebentos, não sentam. As velhas precoces de quarenta anos não sentam. Quem senta são aqueles que em muitas vezes tem carros na garagem e um estoque de arenque vermelho no freezer.
O pão com ovo; o leite com açúcar; o cesta básica, não senta.
A bolacha de cesta sofre até o fim. Sofre na rua. Sofre no mercado. Sofre no trabalho, e volta para a casa sofrendo, cheio de sacolas da porra do Mercadorama. O comum é ludibriar o embriagado, o sem cultura. O importante é fazer parte de uma casta de coexistentes falidos. O comum é estar por cima em todas as situações.
Eu estava em pé, segurando as ferragens. A garganta seca, implorando mais que um cristão por um gole de qualquer coisa. Eu estava com roupas sujas. Sapatos surrados. Desodorante desgraçadamente fétido! Minhas pernas imploravam-me, não como a garganta que gritava por clemência, imploravam por descanso, por um colchão e cobertores limpos.
E eu pensava: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”.
E as pessoas exclamavam: “Mas que cheiro horrível!”
E as pessoas pensavam: “mas que cabelo asqueroso!” e eu pensava: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”.
Estávamos indo ao mesmo lugar, o diferencial era que faríamos coisas diferentes, trabalharíamos com coisas diferentes, que no final, dariam na mesma. O mesmo objetivo. O mesmo paupérrimo salário.
Deveras... Deveras...
E o motorista acelerava novamente e as pessoas pensavam: “Será que eu quero mesmo que ele não nos mate?” E as pessoas pensavam: “Espero que nos mate depois de termos passado o cartão”. E eu pensava: “Que bunda maravilhosa, minha querida!” E o motorista acelerava e fazia curvas arriscadas.
Uhhhh!!! Apertem os cintos! Vocês estão bem? - Eu quase sempre abria um sozinho com esses meus pensamentos e algumas pessoas me olhavam desdenhosas como se elas fossem perfeitamente normais.
Eu me perguntava: “Será que haverá vagas para todos no HU?”.
As pessoas inquiriam: "Que dia é hoje? Ah, é sexta-feira. Será que tenho que cozinhar feijão?".
E eu me entorpecia felicíssimo ao pensar: "Yeah, sexta-feira! Pegue a direita, rodopie a catedral, siga reto até o limiar da rotatória, pegue uma cerveja no Guadala e suba a Cerro Azul até o CBGB's Maringaense, Tribão, e gaste seu salário".
No final todos nós bateremos o cartão.
Minhas roupas perderão um pouco da importância.
Você me esquecerá por toda tarde até me ver novamente ao cair da noite, grudado nas ferragens, com o mesmo olhar impassível.
Eu estava orgulhoso de me sentir indiferente. As pessoas pensavam: “Faltam duas ou três prestações para quitar minha geladeira?” E as pessoas imprecavam: “aquela droga de TV só vive chiando”. E eu pensava: “Qual é a diferença se ninguém sobreviver?”, e o motorista acelerava. Até que todos sobreviviam, trabalhavam e, em pé, segurando nas ferragens, se amontoando, chegavam a suas casas para suas novelas enquanto eu, ainda indeciso, me questionava qual dos bares da vizinhança beberia meu primeiro trago.
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