*João Gustavo
- Zoraide.
- Vai pôr esse?
- Vou. Achou bom?
- Péssimo.
Longa pausa.
- É. É ruim, sem dúvida.
- Péssimo. Repito e sentencio.
Cozinha. Lata de cerveja, só pra ele.
- Gosto de Sebastiana.
Volta pro sofá, primeiro gole.
- Imprime uma ideia de grandeza.
- Concordo. – gole – Mas não condiz. Há uma fraqueza irreprimível aqui.
- Não era na outra?
- Não.
- Hum.
Cozinha. Lata de cerveja também.
- Fica com esse. Um ponto fora da curva pode cair interessante no papel.
- Sei não... – gole – Tem essa história da ilusão primeira.
- Facilmente desfeita se houver convencimento, meu bem. – gole.
- Você não tinha prometido a si mesma que deixaria o álcool?
- Não diz a coisa desse jeito. Pareceu falar pra uma alcoólatra.
Longa pausa.
- Emprestei seu cd do Caetano pro Laurinho.
- Caramba, Ju... Já falei pra você...
- O seu preferido. O do Tempo de Estio.
- .... – gole, gole.
- Não faz essa cara. O menino devolve. Devolve mesmo, sério.
- ...
- Fiz ele prometer.
Pausa. E gole.
- Du, te falei que encontrei a Marina?
- Não.
- Encontrei. Ela engordou um pouco, mas ainda é bonita.
- “Ainda é”...
- Que foi?
- Sei lá. Engraçado o “ainda”. Melhor um “tava”. Sem é. Sem continuação.
- Nunca achei ela feia.
- Eu sei.
- Como?
- Sempre soube.
- Nunca te falei nada.
- Desnecessário.
Pausa. E goles, s, s, ... O conteúdo acaba.
- Ai, que chato isso.
- ...
- Certas coisas, meu queridinho, devem ficar em silêncio.
- Eu sei. Desculpa.
Pausa. Lata vazia indo pro chão.
- O Laurinho disse que prefere o Edu Lobo.
- Numa comparação feita com quem?
- Com o Caetano.
- E o cd foi emprestado por quê?
- Porque ele queria ouvir.
- Sei.
- Verdade. Emprestei porque ele pediu.
Rodopio da lata feito com os dedos.
- Ela ainda gosta de você.
- ...
- Não há disfarce, eu vejo. Não nos olhos. Nem nos gestos. Vejo na boca.
- ...
- A boca dela quando fala o seu nome, imantado à saliva.
- ...
- Sai melífluo, sabe? E-du-ar-do. Causa uma interrupção na frase. Teu nome quebra a estrutura, o período, e irrompe, derretendo as sílabas nos lábios dela. E-du-ar-do...
-....
- A boca sai do tom e se agarra ao nome, aquosa. Chega a ser bonito.
Pausa. Longa.
- Foi o Edu Lobo quem compôs Tarde em Itapuã com o Vinicius?
- Não.
- Acho que não sei muita coisa sobre ele.
Pausa. Breve.
- Você transou com ela no banheiro do apê do Laurinho?
- ...
- É uma pergunta que deve ser respondida.
- Quem disse?
- A Rê.
Intervalo pra uma coçada na perna.
- Quase na mesma posição que usamos sábado passado.
- “Usamos”... Soa estranho.
Bocejo inoportuno, daqueles que duram pouco, mas que imprimem um efeito de indolência que se prolonga num tempo superior à mecânica do movimento.
- Ela parece mais divertida.
- Sossega, Juliana.
- Verdade. Dessas que sempre são associadas a uma tarde de verão.
- ...
- E ainda gosta de você.
- ...
- Até o Laurinho prefere ela. Tão nítido...
- E esse “até” tem fundamento?
- Porque a Rê também.
- ...
- Talvez você.
Pausa. Razoavelmente breve. Ligeiramente longa.
- Põe Ruth.
Espaçamento.
- Tem a ver.
- Fico feliz por ter gostado.
- Ruth acrescenta.
- E é um nome curto, passa rápido pela cabeça. Mas, ainda assim, não deixa de se prolongar num eco esquisito, pra dentro.
Nova pausa. Atemporal. Apenas pausa.
- Quem foi que você encontrou mesmo?
- Hum? Tá falando da Marina?
- ...
- Que foi?
Intervalo de segundos.
- Na tua boca vira um monossílabo.
Rodopiou a lata. E lá fora um pai empurrava o filho que aprendia a andar de bicicleta.
Um comentário:
Gostei bastante.
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