*Lavínia Severo
“Feeling blue” – pensou. E de tanto tédio foi em busca de imagens no oráculo virtual. Feeling blue. “Patético”.
Fechou o google imagens, olhou para a pilha de provas e decidiu que iria desistir, pelo menos por vinte minutos. Abriu a rede social, girou, girou, girou a roldana do mouse à procura de respostas para a ausência do êxtase.
Blue, blue, blue. Pensou em correr, tomar um banho, visitar a amiga. Mas que amiga, e a uma hora dessas? Seria inconveniente. E, mesmo que não fosse, não teria disposição.
Levantou os braços, esticando-os até perceber que não se deslocariam do seu tronco. Voltou, flexionando-os e deslizando as mãos sobre os cabelos lisos, removendo a caneta que mantinha os fios presos. Reclinou-se e esticou suas pernas até alcançar a cadeira que estava na diagonal à esquerda. Encostou a cabeça no topo da sua cadeira, que imitava um móvel antigo. Inspirou e expirou com vontade. Cerrou os olhos.
Lá fora, além dos translúcidos tecidos brancos, o dia despedia-se tímido, após uma longa e chuvosa jornada. No primeiro dia de primavera, o horizonte anunciava a noite com uma faixa amarelo-claro.
Aquela sexta-feira de setembro dividia seus sentimentos. De um lado, o espanto pela agitação de um ano apressado que a empurrava para o fim de mais uma etapa de sua vida. De outro, a sensação de que os breves dias de inverno não lhe tinham proporcionado o descanso merecido, perdida no anseio de sentir a leve brisa de verão à beira da praia, imaginando a cena paradisíaca.
Abriu os olhos e, percebendo as dores em suas costas, notou que havia adormecido. O cinza amarelado já se tornara escuridão. A sala, agora, era somente iluminada pela luz de seu computador e as caligrafias de seus alunos relapsos já não a desafiavam mais.
Recolheu as pernas, fez novamente um exercício de alongamento - mas dessa vez com o pescoço e a cabeça, que responderam com silenciosos estalos. Esticou o seu braço direito em direção à parede, onde estava o interruptor, enquanto o outro segurava a cadeira. Acendeu a luz e voltou os olhos às provas que lhe aguardavam sobre a toalha branca, de fios nordestinos. Deixou a cabeça cair para trás, como se o colega de cima pudesse resolver a situação milagrosamente.
Dirigiu-se a um banho morno e, nele, planejou um café para atender às expectativas de seus alunos, que entrariam no sistema eletrônico para consultar suas notas na manhã do dia seguinte.
Foi à cozinha e decidiu pelo Shiraz que, junto com Nina Simone, a acompanharia até às duas.
2 comentários:
Um conto feminino, reflexivo, preguiçoso e, ao final, musical. Gostei.
Um pacote de provas cansativo na entrada da primavera pelo menos rendeu um textinho. Rsss...
Muito obrigada pelo comentário, Rafael. :)
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