Não tem Tezza na estante do Clariovaldo


Então perguntaram para Clariovaldo se ele daria o ar da graça no bate papo literário com o escritor Cristovão Tezza, que estaria na cidade só para discorrer sobre tal assunto e que certamente reuniria uma multidão de estudantes de Letras, poetas, escritores, músicos, artistas plásticos, jornalistas e apreciadores de contação de histórias infantis.

Ele respondeu nem que sim nem que não. Chateou quando soube que o outro convidado famosinho, Moacyr Scliar, o homem dos 100 livros publicados, não poderia conferir de perto as árvores, a Catedral e as moças bonitas de Maringá. Homem de família, talvez não pudesse viajar sossegadamente sabendo que o sogro se encontrava em uma cama de hospital. Tentou imaginar o quanto de idade poderia ter o sogro de um homem que já publicou 100 livros. Bom. Talvez, como fazem muitos velhos ricos, Scliar tenha casado com uma mulher 30 anos mais nova e, certamente, teria um sogro com idade semelhante a sua.

Acabou não indo, o Clariovaldo, ao Sesc, conhecer de perto o autor de dois ou três livros que sentiu prazer em ler. Mas, mesmo com o público e crítica extremamente contrário ao seu gosto, ele não achava tão bom assim o “O filho eterno”. Gostava mais é do “Trapo”. Identificava-se bastante.

Já perdido pela indecisão, no meio da rua, lembrou-se de uma história que um jornalista de Curitiba o contou uma vez e que dizia respeito ao Tezza, grêmio estudantil e certa prepotência por parte do escritor, que, na época, deveria ser estudante de Letras ou já professor universitário. História estranha, ouvida enquanto tomava uma garrafa de vinho doce Paschoetto. Para conseguir tal proeza, a de tomar um vinho doce Paschoetto, colocava meio copo de vinho e meio de água. No final das contas, já não tão sóbrio, acabou sentindo que talvez houvera, no discurso do jornalista contador de histórias, uma pitada de inveja. Naqueles tempos, com seu último romance publicado, Tezza estava ganhando tudo quanto é prêmio de literatura.

Clariovaldo, reclinando mais uma vez a sua ida ao reconhecimento pessoal dos homens das letras, sentiu-se amedrontado e preferiu ficar só com os escritos dos escritores e não com as palavras faladas. Ainda não conseguia ser convencido de que um homem que escreve bem vai falar bem, ou para o bem de algo.

No final das contas, teve de inventar uma desculpa. E, para não mentir, foi procurar algum livro do Tezza na sua estante, para depois justificar a sua ausência de uma maneira nobre: diria a todos que, enquanto todos estavam ali, ouvindo o Tezza, ele estaria acolá, lendo o Tezza. Brilhante, pensava. Ficou extremamente zangado quando se recordou que, na sua estante, não havia livro algum daquele autor. Emprestara o seu “O filho eterno” e, os demais livros lidos de Tezza, tinham sido consumidos vorazmente em uma época em que a biblioteca era praticamente a casa de Clariovaldo.

Mesmo assim, conseguiu dormir tranquilamente naquela noite seca de setembro. Amanhã cedo, poderia ler algumas crônicas de Tezza no jornal da capital.

Nenhum comentário: