Sonhos imperfeitos e momentos relacionados ao dia-a-dia


Sonho que minha cabeça dói. Sou um homem em casa, sozinho. Estou numa cidade do interior. Dentro de casa, uma luz amarela, sofá vermelho e vários livros jorrados pelo chão. Não conheço ninguém na cidade. Estou esperando um telefonema, uma carta, um raio na cabeça. Saio, paro num posto 24 horas e compro 3 cervejas e 1 lata de sardinha em conserva. Volto, ela chega com seus cabelos castanhos compridos, pele clara, quase pálida, parece estar morta. Acende um cigarro e depois me beija. Digo que a amo e ela vai embora. Mas quem? Quem? Quem é ela? Estou na rua. Multidões de cabeças vazias e olhos esbugalhados me fitam estranhamente. Fecho olhos e penso nela. Corpo magro, seios minúsculos rosados com fiapos pubianos oxigenados, olhos castanhos, muito escuros, quase pretos, extáticos. Ela diz que aceita, ofereço-lhe a sardinha e abro uma cerveja. '' sou tua nostalgia '', mas quem? Quem? Quem é ela? 

Agora estou num bar, o mesmo de sempre ( parece o bar do Chico) velhos, bêbados, bêbados velhos apostadores no jogo do bicho bebem e fumam excessivamente. Um sujeito magro de cabelos grisalhos senta ao meu lado. Diz que é médico aposentado, especialista em coração. Digo sentir uma sensação estranha do lado esquerdo do peito, meu coração pula uma batida e em seguida o corpo estremece parecendo estar enfartando. 

'' Isso não é problema cardíarco '' ele diz 

'' Seria o que então? '' eu digo 

'' Problema emocional, talvez . Dor, ódio, paixão...essas frescuras humanas 

'' O que devo fazer, doutor? '' 

'' Eu já disse, sou aposentado, não consulto mais ninguém, agora eu só bebo '' disse ele dando uma gargalhada assustadora de um psicopata. 

'' O senhor acha que no meu caso beber seria a solução? '' 

'' SIM! SIM! SIM! '' outra gargalhada. 

Sonho com olhos foscos distraídos como uma jabuticaba presa no pé. Pessoas caminhando pelo calçadão da cidade, crianças chorando, pobres, miseráveis, ignorantes, individados, falidos, donos de botecos, empregadas domésticas com olhares de preocupação e desespero. Onde estou, mundo? Onde estou?! De algum lugar sai uma música progressiva post rock experimental que me alucina como uma xícara de chá Lophophora Williamsii extraído pelos Huichol do norte do méxico. Não consigo entender nada. Às vezes olhos distraídos, às vezes olhos desesperado. Penso em estar sonhando e ao mesmo tempo tudo é real. “ mais um pouco de chá? ”. Sinto a pulsação e o sangue é bombeado para as artérias pelo ventrículo esquerdo até os músculos e órgãos do corpo. Os cinco sentidos funcionando numa sincronização perfeita de se sentir 

Agora caminho na Zona 02. Meus passos são curtos e calculados, devidamente sincronizados. Meus ossos doem, sinto muito frio. A solidão me desperta uma sensação lúgubre que vou sentindo conforme a periculosidade do local: ruas esburacadas, terrenos abandonados, muros pixados '' jesus é meu pastor e nada me faltará '', poste sem iluminação e o latido sibilante dos cachorros me levam a crer que estou numa cidade fantasma, vivo ou não. Um enorme silêncio se faz enquanto caminho. Penso nela. Com os pés descalço dançando no azulejo frio do banheiro, ela ( quem?) pega na minha mão levando-a até o seus peitos conchas do mar, passo a língua levemente no bico delicado e enrijecido enquanto sua mão alisa suavemente meu pênis para frente e para atrás - preciso expor tudo para fora, tudo! Estou cheio de ódio, gozo, fantasias e segredos avassaladores. Meu corpo queima e arde a alma lançando chamas flamejantes por onde passso. Uivo como um lobo desvairado para a lua e em algum lugar ela (quem?) sussurra sentindo uma excitada queimação na região dos seus lábios vaginais. 

Já é de manhã. Continuo na rua. O sol reflete meu rosto oleoso e realça o azul cintilante dos meus olhos - sou o anjo das ruas, o anjo perdido e abandonado. Sigo em frente, sem rumo. Na praça da rodoviária velha, mendigos e flanelinhas fumam crack em plena luz do dia, sem se intimidarem com a viatura da polícia parada na esquina. No shopping, em frente, mulheres de milionários fazem compras exageradas desfilando com bolsas de couro, sapatos importados, roupas de grife e com o nariz empinado exalando soberba. De um lado, viciados em crack desamparados rumo ao pó, do outro, prostitutas vaidosas que têm o cartão de crédito do marido em troca de uma boa foda. Chego ao sul da cidade. O tempo está abafado, muito quente. Nuvens se aproximam. Começa a ventar. Ouço portas e janelas se fecharem com a força do vento, barulhos intrigantes e trovões amedrontam o clima. Começa a chover. Entro numa padaria e tomo uma coca-cola. Depois de bebe-la, sinto uma enorme vontade de fumar. Estou duro, não tenho dinheiro nem para um ''lennon'' solto. Reparo num casal fumando e me aproximo. Como nada melhor para puxar assunto falo sobre o clima, eles concordam e aprofundam o papo, falam do aquecimento global, desmatamento da amazônia e principalmente na poluição dos gases efeito estufa '' grande irresponsabilidade do homem '' Depois de longa discussão sobre teorias e métodos sem nenhum fundamento concreto e que jamais colocariam em prática, finalmente peço o cigarro e eles vão embora. Entram num carro que logo se movimenta levantando fumaça preta do escapamento e contribuindo para a camada de ozônio. Estudantes, adoram discutirem, encher a cara, frenquentar festas e baladas perversas. Fazem isso tudo com o suado dinheiro dos pais que dão duro enquanto eles fingem em estudar. Viva a classe trabalhadora, viva os operários e funcionários humildes que batalham por um prato de comida para os filhos raquíticos todo o santo dia. Mas que merda, que diabo está acontecendo comigo, estou discutindo, defendendo e criticando classes socias. Fodam-se. 

Sonho que estou no banheiro em casa. O espelho é meu inimigo. Revela-me um homem envelhecido mal-amado, rosto cansado, cheios de poros dilatados, cravos, furúnculos, acnes vulgares, dentes amarelos, cáries... Sento na privada e fico pensando, a merda não sai, fico horas pensando - não existe lugar melhor para se pensar - não adianta, a merda não está dentro de mim, está lá fora, na rua, nos outros, em bancos, na prefeitura, no senado, em Brasília. Dou descarga e sou engolido para dentro do buraco da privada com a água infectante. Acordo molhado, trêmulo. Estou num mundo moderno, sozinho em 2009 lutando contra os meus sonhos imperfeitos e enfrentando a realidade humana que é o meu maior pesadelo. 

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