Eu@mo.você


*Texto de Sarah Ribeiro

Quando ela disse que o amava, os olhos dele não piscaram por longos segundos. Ele ficou imóvel, sem dizer uma palavra, sem entender o porquê ela dissera aquilo daquela forma tão abrupta e tão... tão despreparada, pelo menos para ele. Era como se ele dissesse com os olhos que declarar-se para alguém exige pré-requisitos, como um tempo, um local e uma forma específica, uma norma da Abnt do amor. 

Ele estava muito acostumado a lidar com números, computadores e todo e qualquer tipo de equipamento eletrônico que surgisse com a proposta de facilitar seu trabalho, evitando o contato humano. Expressar sentimentos, no entanto, nunca foi seu forte, receber expressões de amor também não era lá algo muito comum em sua vida. 

Ao longo de seus 32 anos, apenas algumas namoradas, todas tão caladas e frias quanto ele. O último relacionamento, por exemplo, durou quase dois anos e começou e terminou via mensagens instantâneas, mesmo os dois estando separados por apenas três quarteirões.

Agora com ela era diferente, pra falar a verdade, ele nem sabe dizer ao certo como começou a se relacionar com uma pessoa tão diferente e que, de certa forma, o fazia diferente também. Mas apesar de todas as loucuras propostas por ela ao longo desses sete meses, como tomar sorvete sob um frio de 8°C e sair sem rumo pela estrada em uma sexta-feira, só para ter o prazer de chegar sábado em um lugar qualquer, dizer que o amava parecia a aventura mais perigosa que ela propora até então. Até porque, as outras exigiam que ele apenas se entregasse às sandices temporárias dela, mas logo estava ele de volta ao seu solitário e silencioso mundo no apartamento 1203, na rua João Beltrão. No entanto, aquela afirmação precipitada e louca exigia alguma postura dele, era necessário dizer alguma coisa. Ficar imóvel não resolveria seu problema. 

Mas o que ele diria? Afinal assumir que também a amava implicava em uma série de obrigações que ele não sabia ao certo se estava disposto ao assumir. Por outro lado, se ele não a ama, o que sente então? E durante aqueles oito segundos depois da afirmação dela, tudo isso se passou pela cabeça dele. Ele passou a mão no cavanhaque por fazer e desceu até o pescoço, ficou vermelho e olhava ininterruptamente para o computador.

Então, ela o chamou pelo nome, ele olhou e finalmente enxergou. Sim, porque há uma grande diferença entre ver e enxergar, nós vemos muitas coisas todos os dias, mas só enxergamos as coisas que nos permitimos enxergar. E naquele momento, ao ouvi-la chamar seu nome, sem explicação alguma, ele enxergou sua vida bem ali à sua frente, de vestido branco e olhos atentos, de quem vive observando com curiosidade tudo a sua volta, de quem se entrega sem pedir nada em troca, de quem ama porque ama e só, sem pretensões, sem cobranças. Então ele percebeu que passou tanto tempo olhando só para si e para o mundinho em que estava inserido que não pode ver o que estava bem ali ao seu lado. E sentiu neste momento uma felicidade enorme que tomou conta dele de tal forma que beijá-la foi inevitável. Ele também a amava, do jeito dele, mas amava. E não foi preciso uma palavra para ela saber disso.

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