Fugir à melhor das lutas



Dedicado a Thiago ”Espora de Galo” Soares, pela conversa que gerou o conto; 
a Xico Sá, por sua carta aberta aos covardes no amor etc.; 
e a André Frateschi e Miranda Kassin, pela versão da música “Dê”,
da banda paulistana Cérebro Eletrônico.
Tacada.
Julia era a própria tentação encarnada em uma garota de vinte e poucos anos. Ao menos para mim. Desconfio que nem todos os frequentadores do nosso sinistro bar de todas as noites sabiam ver naquela pequena, ruivinha, risonha e semivesga estudante de Biologia toda a luxúria que eu via. Vai ver estavam com a razão. Ela podia mesmo ser o tipo de garota que passa quase tranquila na frente de uma construção, na geral do estádio. Eu é que sempre vi em Julia um súcubo de roupas macias, deixando entrever o pequeno volume dos seus seios, plenos de pecados, na blusa de colo baixo que ela mesma cortou.

Minha cabeça criava palácios para Julia, minha cabeça fazia com Julia o sexo mais degradante do mundo, usando ao mesmo tempo, a minha cabeça, palavras como “palácios” e “sexo degradante”. Porém meus olhos não diziam nada. Todas as noites voltávamos ao mesmo bar, próximo à Universidade, na região onde tudo acontece. Entre um cigarro e outro, ficávamos mais próximos um do outro, mais afastados dos respectivos amigos.

Até que hoje nos vimos jogando sinuca na mesa mais torta do lugar, com tacos espanados, a bola 4 faltava. Julia demonstrava nervosismo mordendo o canudo da sua bebida, me dizia absurdos, disparates, safadezas. Tivesse ela simplesmente aceitado ir pra cama comigo, tudo estaria bem, eu seguiria na minha vida desregrada tentando não machucar as pessoas que me cercam.

- Pelo pouco que eu contei, pelo pouco que você me conhece, já sabe que eu não faria isso. Ao menos não hoje, não assim, tão cedo. Eu tô quase casando. Sério! Se eu fizer isso agora... Logo não vou poder escapar, eu sei. Mas devo confessar que gosto de curtir a espera.

- Então você meio que tá se guardando? Haha! Por que não hoje? Por que não comigo? Depois você pode fazer o que quiser. Por quê?

***

Foi ela quem deu o ultimato, radicalizou o que seria simples: só se a Kelly também estiver conosco. Kelly não era a tentação encarnada. Kelly era uma amiga, mais dela que minha, figura sempre presente no nosso boteco diário, um tipo de mulher bonita, desejada, com certeza ouviria galanteios em qualquer canteiro de obras desta cidade em plena expansão. Mas ainda assim eu sabia que ela toparia na mesma hora a proposta de dormir conosco. Arquitetava-se diante de meus olhos, muito antes do esperado, a minha maior fantasia. A única fantasia sexual que eu ainda não havia realizado na minha boemia pós-universitária.

A única fantasia sexual que me mantinha afastado da promessa que fiz: pedir finalmente minha namorada em casamento quando as tivesse realizado por completo.

Julia não podia entender, ela estava longe da possibilidade de se casar. Acabamos nos desentendendo, não fui capaz de dobrá-la. Mas nem mesmo ela seria capaz de me convencer a viabilizar meu casamento com um ménage à trois nesta noite.

Sou um homem de poucos, porém válidos, princípios.

Talvez Kelly aceite apenas uma noite tórrida de sexo tradicional.

3 comentários:

Rafael A. F. Zanatta disse...

A própria imagem que o Michel (O Editor) selecionou é um tanto quanto sexual. Veja só como o taco penetra entre os dedos, como se fossem os "lábios do pecado".

Gostei, Bruninho.

Rannah Naja disse...

que negócio é esse de ménage à trois pra pedir a namorada em casamento? achei um absurdo! hahaha

com relação ao layout do blog, tá bem mais bonito assim. :)

Cronicas de Gaia disse...

Um conto pra ser lido, no mínimo, duas vezes. A primeira tendo um protagonista desejoso da noite de sexo que está por vir.
A segunda de um protagonista que, acima de tudo, tem palavra, princípios e um certo medo conjugal.
Em poucas palavras, uma reviravolta de sentido, apenas com o uso de algumas palavras e a proposital ausência dos donos das falas. O Bruninho transporta dos microcontos a sagacidade e o poder que cada palavra contém. Enfim: um miniconto. um PUTA conto. Ave, palavra!