Dos livros que o pai havia deixado, aqueles lidos eram troféus. Cada livro que lia o aproximava de um sentimento. Saudade, um querer ter inalcançável. Algum orgulho pessoal, empatar um livro já lido pelo pai. Como subir a mesma rua, sabendo que à frente vai alguém. Mas nunca o alcançaria, assim como nunca terá lido as duas estantes cheias. Seguia conhecendo melhor o dono dos livros, mesmo depois de ausente, através dessa biblioteca que era perfeita, completa. Exata. Era como se ainda existisse em forma escrita uma pessoa. E conhecê-la antes com voz e com cor virou preto e branco e papel.
Um livro terminado pode ser uma medalha. Um título, uma marca. Uma patente. Um sinal de nascença ganho depois de nascido. Um a um. E parte do todo desde sempre. Os livros estavam ali, esperando.
As estantes eram duas, cheias. Tinham duas fileiras em cada altura - na sala não havia espaço pra mais armários. Então, livros escondiam outros livros. Linhas de frente, segundo escalão. Assim estavam. Exceto os livros que agora tinham outro dono. Era assim, um livro lido era um conquistado, tomado. Mudava de lugar no arranjo. Em um canto, e lado a lado, iam mostrar os passos dados. Nova ordem. Deles. E sua.
2 comentários:
Inexiste biblioteca perfeita, o que pode contribuir ainda mais para a beleza de tal organização. Ou do seu escrito.
Sensacional estreia, Catto. Me deixou realmente feliz encontrar esse texto aqui. Continue lutando sempre a boa luta! Um grande abraço!
Valeu Bruno!
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